22 julho 2017

Outono


Folhas caindo com o vento
Árvores desnudas
Vento frio nos cabelos
O céu cinza chumbo
Chuva intermitente
Dentro e fora de mim
Outono no espírito
Desfolhando as esperanças
Desnudando os sentimentos
Acinzentando o coração
Lágrimas intermitentes
Outono no corpo
Desfolhando o desejo
Desnudando a insegurança
Acinzentando o prazer
Calafrios intermitentes
Paisagem árida
Inóspita
Sem viço
Sem cores
Sentimentos áridos
Sem cor
Sem sabor
Sem possibilidade de sorriso
Vida sem brilho
Árida
Deserta
Apenas automática
Um ir e vir autômato
Desde a partida
Desde o fim
É outono
Em mim...



Tempo

E o prazo se finda
O tempo prometido que chega
E com ele novas angústias
Muitos medos
Novos receios
E o prazo que chega
A data soprada ao ouvido
E a esperança se acende
O anseio que cresce
A vontade que grita
E o prazo que se aproxima
E o temor do engano
Junto dele
O medo da frustração
O receio do desengano
E o prazo se finda
Esperança versus medo
Angústia versus anseio
Vontade versus receio
E o prazo que finda
A esperança que grita
O medo... paralisa

Vazio



Vazio
Vácuo
Sem sons
Sem luz
Em órbita
Vagando
Sem rumo
Sem prumo
Alheia
Sem norte
Solta à própria sorte
Calada
Muda
Sem voz
Perdida
Apartada
Desfeita
Andando sem vida
Amorfa
Insípida
Incolor
Assexuada
Vivendo sem sentir
Desde a partida
A partir do desencontro
Fui desfazendo
Deixando de ser
Perdi a referência
Embotei minha essência
Estive só
Isolada
Entristecida
Reagi
Acendi a chama
Sou vela
Que ilumina
Que atrai
Respiro...
Inspiro...
Espero...


Baralho Cigano

Olhou para as cartas. Sabia que jogar o baralho para si mesma não era o ideal. Aprendera com as anciãs do acampamento que a sua vontade interferia com a leitura. Na verdade, aprendera ainda mais. Fora instruída na leitura do baralho, das mãos. Sabia interpretar as runas, os sinais da natureza e também da borra de café. E desde sempre recebera as instruções severas: jamais tente usar os seus dons para manter consigo algo ou alguém que não te pertença, não interprete errado as mensagens recebidas apenas para satisfazer as suas vontades ou as do seu consulente, e evite tentar ler para si mesma, pois a sua vontade pessoal interfere naquilo que o plano espiritual nos envia. Seguira firmemente sem desviar, e só jogava o baralho para si mesma em algumas situações. Essa era uma delas. Precisava tentar entender seu afastamento. Ele até havia lhe dado explicações e algumas razões, mas a sua intuição gritava que eram razões falsas. Colocou as cartas sobre a mesa. Ali estava. Novamente. Um afastamento por interferência de outras pessoas. Respirou fundo. Fez uma prece. Santa Sara, sua protetora, ia velar por ela. Levantou-se e acendeu o incenso. Rosas Vermelhas. Atrair o amor de volta, e impregnar o ambiente com outro perfume que não fosse o dele. Este estava presente na sua própria pele, e nos objetos dali. Andou em círculos, impaciente. Voltou à mesa, jogou as runas, consultando-as. Outra vez a mesma mensagem: paciência. Tinha pedido ajuda às anciãs, e recebera delas o conselho: espera. Era um período difícil, de luta entre o bem e o mal. Seres pouco iluminados usavam aqueles dias para interferir nas vidas de homens e mulheres. Teria que elevar a sua mente e aguardar. Pois o bem sempre se sobrepõe ao mal. Só precisava conseguir esperar até o dia de maior luz, o dia em que o Cordeiro havia tirado os pecados do mundo. Então ele voltaria, pois estaria liberto. Sabia que a amava, sentia isso em seus poros, mesmo à distância. Ele só precisava saber que ainda tinha o direito de escolha, que isso não tinha sido retirado dele. Saberia esperar. Pois o queria inteiro, sem amarras, sem medos ou receios. Ele era seu destino, estava escrito em todas as estrelas. E ela não abriria mão disso. Saiu da tenda, olhou adiante. Viu a árvore. Um carvalho. Sólido. Resistente. Implacável. Como seu amor. Sim, ela esperaria...

Lembranças

Ele... pensou nele e tentou reter na memória a sua figura. Esse afastamento fez com que enxergasse algumas coisas que antes não vira. Sempre se recordava do rosto, quadrado, e dos cabelos cheios. Ao revê-lo, os cabelos estavam mais baixos, mais prateados, mas o rosto era o mesmo. A boca, com um formato que pedia para ser beijada. Mas algo que não se lembrava tão intensamente da primeira vez, e que havia marcado muito dessa última, eram os olhos. Cor de conhaque, de avelã, quentes, expressivos. Olhos que sempre lhe disseram dos seus sentimentos, das suas emoções.
Alto, tinha a altura perfeita para protegê-la. Braços fortes, mas não exagerados, suficientes para acolhê-la no seu abraço cuidadoso, protetor, terno. Hoje, porém, via que sua altivez de outrora já não estava presente todo o tempo. Vez ou outra o sentira com os ombros caídos. E creditava isso ao cansaço. Ela, hoje, sabia que este cansaço se devia na verdade a um cansaço de sua alma, que estava exausta de lutar entre o que o que queria acreditar e o que queriam que ele acreditasse.
Lembrou de seus beijos... quentes... a boca desenhada, que se encaixava perfeitamente na sua. As palavras proferidas... as promessas... os sorrisos... custava a acreditar que a mesma boca lhe tivesse dito aquelas palavras terríveis. A sorte é que o olhar traíra a boca, e ela vira ali a resposta aos seus medos e anseios.
Pensou em tudo o que viveram naquele relacionamento. Pensou na intensidade dos sentimentos e das emoções daquele tempo. Em como suas vidas haviam se encaixado tão perfeitamente em tão pouco tempo. Em como seus sonhos se completavam, e seus desejos se encaixavam. Lembrou dos momentos intensos e profundos, e em como seus corpos e almas se misturavam.
Compreendeu então que as forças que o haviam afastado de si poderiam ser vencidas, pela sua força de vontade e pelas suas preces. Era apenas a maldade humana travestida de magia, e ela não se deixaria abater. Mostraria que o bem sempre vence, apesar das tentativas feitas em sentido contrário. Sentia que seus destinos estavam ligados por um fio mais forte e que bastava apenas que ele encontrasse esse fio para voltar. Fixou seus pensamentos nele, e o chamou. Estava certa de que ele a ouviria... e quando ele voltasse, estaria ali esperando...

A caminhada

Ela caminhava a esmo... sem direção... não conseguia atinar as ideias... não conseguia saber para onde ir. Só sabia chorar... só conseguia sentir a dor, pungente, intensa... continuou andando... olhou para trás... e o viu... indo em direção contrária, o chapéu baixo, os ombros caídos... apenas sombra do homem que havia sido... ela não conseguia compreender... a dor que vira em seus olhos de conhaque... o desespero em seu olhar... a voz sem modulação... tudo isso lhe dava a ideia de que ele a amava. Então por que motivo decidiu partir?
Continuou indo em frente... não conseguia raciocinar... nem mesmo via ao seu lado as flores ou o grama, logo ela que era amante da natureza... sentia a energia da lua... olhou para o alto... estava cheia... nem isso lhe deu mais ânimo... chorava... as lágrimas escorriam pelo seu rosto... ele havia sido seu grande amor... sabia disso... estava certa de que não encontraria ninguém para ocupar seu lugar. Nem gostaria. Era dele o amor mais puro que havia sentido, e sempre seria. Haviam planejado uma família. E ela não queria isso com outro alguém.
Pensar que haviam se separado devido aos desatinos e desmandos de uma terceira pessoa, que usara a magia contra os dois, fazia com que sua dor só aumentasse. Sabia que era capaz de vencer aquela magia, mas ele tinha medo. E ela não conseguia, mesmo usando sua intuição e seu baralho, convencê-lo do quanto aquilo estava errado.
Continuou seu caminho... o choro agora já mais contido... a dor não. Essa era cada vez maior... mas junto dessa dor sentiu a força da iniciativa. Não permitiria que ele saísse de sua vida pelas mãos de outra pessoa. Se saísse, seria com seus próprios pés, e por não amá-la mais.
Tomou a decisão... levantou o rosto... sorriu para a lua, entre as lágrimas... e voltou.

O cigano

Ele é um homem. Másculo. Aparenta fortaleza, mas sua alma traz fragilidades. Tem certezas dentro de si que são conflitantes, e a maior dificuldade é saber a qual deve se render. Seus olhos de conhaque são quentes, calorosos. Trazem calor á alma, e seu sorriso acolhe e acalma. Alto, tem o porte altivo, mas às vezes as dificuldades fazem ceder os seus ombros, dando a impressão de fraqueza. Na verdade, nada tem de fraco ou frágil. Sua alma tranquila, pacata, foge de conflitos, e isso às vezes o faz recuar, e muitos entendem seu recuo como fuga. Protetor, carinhoso, tenta sempre trazer o conforto a quem está sob seus cuidados. Crédulo, muitas vezes ingênuo, crê na bondade alheia, mesmo quando é flagrante o quanto está sendo enganado ou violentado em suas vontades e desejos. O tempo e as pressões sofridas deixaram marcas em seu rosto, em seu corpo. Às vezes parece carregar o peso do mundo, e seus olhos trazem essa sombra. Sua voz grave enlaça e acalenta, conforta. Facilita a total percepção dos seus sentimentos. Suas dores e seus amores ficam explícitos em seu olhar, ele não consegue esconder o que sente. Mas a sua aversão pelo conflito acaba atrapalhando as suas iniciativas. Sonha com o tempo em que poderá escolher sozinho o seu destino. Só não percebe que já é chegado esse tempo, e que basta enfrentar seus medos e perseguir suas metas...

A cigana

Ela é uma mulher. Uma fêmea. Uma fortaleza em alguns momentos, e completamente frágil em outros. É forte, e por mais que envergue a coluna jamais se quebra, mas é frágil e se encolhe dentro de sua própria concha para tentar curar as feridas. Guiada pela lua, é instável como as marés, e como ela é composta por fases. Entende e sonda os mistérios do mundo, compreende a linguagem da natureza e intui o andamento da vida. E ao sabor da música cigana leva sua vida. Tem na ponta dos dedos o poder da cura para os seus, e no olhar as estrelas do céu. Profunda como o oceano, esconde nos olhos escuros os mistérios de seus sentimentos. Seus cabelos são como um manto, e a pele é suave, marcada levemente pelo tempo. O corpo há tempos não é mais o mesmo, as curvas acentuaram-se em alguns pontos, e perderam-se noutros, trazendo os sinais da sua passagem pela vida. O sorriso largo, radiante, esconde por vezes tristezas profundas, jamais ditas ou explícitas. A voz, suave ou forte, calma ou firme, traz a frequência do que vai em seu peito. O coração, ah, este sim, independente, sente aquilo que deseja e mostra o que bem quer, não respeitando as ordens do cérebro. Pequena na estatura, sabe ser imensa quando defende seu território ou a sua cria. Ela é intensa. É uma tempestade, irrefreável, incontrolável, insondável. Esconde o que lhe vai no íntimo, e poucos são os que conseguem entender o tamanho da sua alma. Madura, tem no peito sentimentos confusos. Não sabe lidar com eles, nem com as incertezas do mundo. Crente na bondade alheia, vive se frustrando e se machucando. Enxerga as dores alheias sem ver, e as sente em sua própria pele, mas não compartilha as suas e as esconde sob seu sorriso. Ama e sofre com intensidade, um vulcão prestes a explodir. Tem no peito a incerteza do abandono e o medo do desconhecido, a ânsia pelo amor e pelo cuidado, a vontade de ser cuidada e de cuidar. Sonha com o tempo em que sua alma se fará sábia, e encontrará em si mesma a felicidade.

Desejo

Desejo
Seu corpo no meu
Suas mãos a me percorrer
Como uma harpa
Seus lábios
Descobrindo segredos
Desvendando mistérios
Recantos ocultos
Enlaçados
Batimentos acelerados
Pele com pele
Trocando calor
Seu corpo
Invadindo o meu corpo
Explodimos...
Juntos!

Como me sinto


A alegria de ter te encontrado
A certeza de ser querida
A doçura da expectativa
Assim eu me sinto...
Uma leveza em meu peito
Uma ternura em meu olhar
A calma dos sentimentos
Sabendo o que esperar...
É bom estar assim
Encantada
Enlevada
Saber que sou alguém
Na vida de outro alguém
É bom te ver
Tocar você
Sentir seu carinho
Nos beijos e abraços...
É bom estar assim
Certa da presença
Envolta em alegrias
Sentindo segurança
Nos beijos e carícias
É bom estar assim...
(03/12/2009, mas poderia ser 21/01/2017)

Vozes do passado


As vozes
Sussurrando
Relembrando
Fazendo sonhar
São suaves
Ternas e doces
Trazem cor e ternura
Perfumes e sabores
Ouço o mar
Sinto a brisa
O gosto do sorvete de maçã verde
Enxergo a lua
A maresia
O abraço
O beijo
Sinto-os na pele
Ah, as vozes...

Desarmonia

E o início
Se fez fim
Fugaz

Tênue
Como bolha de sabão
O encontro das bocas
O caminho bifurcado
O desencontro das mãos
Fomos um por um instante
Mas jamais em uníssono
Notas destoantes
Na melodia da vida
Sou música suave
Soneto de um amor total
Você é poema concreto
Ritmo intenso e pulsante
Tornando impossível a junção
Caminharemos lado a lado
Paralelas infinitas
Sem nos tocarmos
Sem nos olharmos
Sem intersecções
E apenas na memória
A explosão de luz
O encontro dos planetas
Rápido
Intenso
Raro
E inexplicável