22 julho 2017

Baralho Cigano

Olhou para as cartas. Sabia que jogar o baralho para si mesma não era o ideal. Aprendera com as anciãs do acampamento que a sua vontade interferia com a leitura. Na verdade, aprendera ainda mais. Fora instruída na leitura do baralho, das mãos. Sabia interpretar as runas, os sinais da natureza e também da borra de café. E desde sempre recebera as instruções severas: jamais tente usar os seus dons para manter consigo algo ou alguém que não te pertença, não interprete errado as mensagens recebidas apenas para satisfazer as suas vontades ou as do seu consulente, e evite tentar ler para si mesma, pois a sua vontade pessoal interfere naquilo que o plano espiritual nos envia. Seguira firmemente sem desviar, e só jogava o baralho para si mesma em algumas situações. Essa era uma delas. Precisava tentar entender seu afastamento. Ele até havia lhe dado explicações e algumas razões, mas a sua intuição gritava que eram razões falsas. Colocou as cartas sobre a mesa. Ali estava. Novamente. Um afastamento por interferência de outras pessoas. Respirou fundo. Fez uma prece. Santa Sara, sua protetora, ia velar por ela. Levantou-se e acendeu o incenso. Rosas Vermelhas. Atrair o amor de volta, e impregnar o ambiente com outro perfume que não fosse o dele. Este estava presente na sua própria pele, e nos objetos dali. Andou em círculos, impaciente. Voltou à mesa, jogou as runas, consultando-as. Outra vez a mesma mensagem: paciência. Tinha pedido ajuda às anciãs, e recebera delas o conselho: espera. Era um período difícil, de luta entre o bem e o mal. Seres pouco iluminados usavam aqueles dias para interferir nas vidas de homens e mulheres. Teria que elevar a sua mente e aguardar. Pois o bem sempre se sobrepõe ao mal. Só precisava conseguir esperar até o dia de maior luz, o dia em que o Cordeiro havia tirado os pecados do mundo. Então ele voltaria, pois estaria liberto. Sabia que a amava, sentia isso em seus poros, mesmo à distância. Ele só precisava saber que ainda tinha o direito de escolha, que isso não tinha sido retirado dele. Saberia esperar. Pois o queria inteiro, sem amarras, sem medos ou receios. Ele era seu destino, estava escrito em todas as estrelas. E ela não abriria mão disso. Saiu da tenda, olhou adiante. Viu a árvore. Um carvalho. Sólido. Resistente. Implacável. Como seu amor. Sim, ela esperaria...

Nenhum comentário: